Às vezes sou o que invento Às vezes sou o que não quero ser Às vezes sou poeira que aparece com o tempo Às vezes sou a pedra onde topas sem querer Ainda estou somente só Ainda ando com meus passos inseguros Ainda me encolho quando sinto dor Ainda choro quando tenho medo do escuro Sou uma bailarina que não dança nem nada Sou uma menina que ainda não cresceu Sou quem passa muitas noites acordada Sou quem acorda quando o sol já se perdeu
“E todo dia nós tentamos encontrar... Procuramos nossos corações e nossas memórias, o lugar que costumávamos chamar de casa.” (No envy no fear – Joshua Radin)
Algumas daquelas pequenas lembranças ainda estavam ali. Guardadas na caixinha que ela mantinha dentro do armário. Sentiu que muita coisa havia mudado, inclusive ela mesma. Viu naquele pequeno papel amassado uma letra meio torta, que há muito tempo aprendera a reconhecer como querida. Umas palavras que não diziam nada, mas mesmo assim faziam-na sorrir sempre que esbarrava os olhos por cima do pequeno papel. Mais ao fundo, junto com umas fotografias, estava a letra de uma musica escrita há muito tempo. Quem a escreveu nem lembra que fez aquilo, mas ela decidiu guardar mesmo assim. Foram muitas cartas, muitos cartões e fotografias. Maioria dos remetentes ela já perdeu de vista, mas não esquece que eles foram uma peça muito importante para a construção de suas boas memórias, e daquela caixinha que se mantém enfiada no armário. Tem uma boa memória pra esse tipo de coisa, e, gostaria que mais alguém também a tivesse como uma boa memória. E sem esperar por mais, ela junta todas as memórias de novo na caixinha, aquela caixinha de coisas especiais. É assim que ela acha que as coisas devem ser mantidas... Como memórias especiais.
“Se ela te fosse direta, você a rejeitaria” (Sentimental – Los Hermanos) ♫♪♫
Não fui tão honesta quanto pensavas. Não te falei todas as verdades que quis. Só as que não seriam capazes de me comprometer. Não sei se fiz certo, nem mesmo vou saber. Não tenho a mesma coragem que supões que eu tenha. É uma pena... Quando fiquei muito tempo encarando o chão, eu quis encarar seus olhos por mais alguns minutos. Quando fiquei tempo demais segurando aquela embalagem de chocolate, eu quis na verdade segurar suas mãos. Quando passei tanto tempo te falando de como aquele carinha que passava na TV era idiota, eu só queria te dizer tudo o que sinto por você. Queria te contar que tenho me escondido pra não ter que fraquejar quando estivesse tão perto de você. Queria te contar que desviei seus olhares por tantas vezes, porque não tinha coragem pra encará-los. Quis também te dizer que te quero mais do que você imagina... Mas não disse...
“Eu agi sempre para dentro Eu nunca toquei na vida. Nunca soube como se amava... Apenas soube como se sonhava amar. Se eu gostava de usar anéis de dama nos meus dedos, É que às vezes eu queria julgar que as minhas mãos eram de princesa. Gostava de ver a minha face refletida, Porque podia sonhar que era a face de outra criatura.” (Desassossego – Fernando Pessoa)
Sou mesmo muito tola. Fico aqui me revirando na cama, imaginando tantas coisas que tenho certeza de que nunca deixarão de ser só isso: pura imaginação. Chego a ter vergonha de mim por ser tão estúpida. Sou esse animal sentimental, que volta e meia se pega chorando por nada, ou que cai de amores por tão pouco. Sou mesmo muito tola. Há tempos que não venho tendo sossego. Não tenho mais aquela calma companheira – que poucos enxergavam - , nem aquelas manias que me divertiam. Não tenho mais aquele ponto de apoio, nem o foco nas coisas que me davam alegria. Não sei dizer o que se passa aqui dentro, não sei dizer o que queres que eu diga, simplesmente não sei. Tenho perdido minha voz, contento-me em apenas observar, ser sempre quem está por trás das cenas, quem apenas assiste o que se passa. Não é tão triste assim como muitos pensam, só que é complicado quando você passa a observar demais e participar de menos. Você meio que perde um pouco do contato com os principais atores, e isso é ruim. Há quem consiga viver bem sem eles, há quem não consiga. Mas também há quem quer estar no meio de toda essa confusão. Que não quer estar apenas de um lado ou apenas de outro. Há quem queira acompanhar o que se passa pelos dois lados, mas ninguém quer saber disso. Não entendem muito o que se passa com um ser tão observador. Mas ainda observo. Não sei ser diferente. Sou mesmo muito tola. Tenho observado tanto, que tenho perdido a pratica nas relações sociais. Já vi os reflexos de tantas pausas para observar, já senti o cansaço me tirar o senso do que é real e o que não é. Ainda fico me revirando pela cama, imaginando aquela cena no balanço, imaginando aquele abraço de conforto, imaginando aquele beijo que não vai acontecer. Estou imaginando demais. Preciso do meu sossego de volta. Preciso encontrar meu ponto de equilíbrio. Sinto que estou sendo mais tola ainda, escrevendo tudo isso. Por que não deixei isso apenas na imaginação?